Toffoli sinaliza que pode derrubar regra do Marco Civil da Internet

Na primeira parte de seu voto, o ministro Dias Toffoli afirmou que a evolução da internet desde a edição da lei requer a atualização das regras
Por: Brado Jornal 29.nov.2024 às 09h17
Toffoli sinaliza que pode derrubar regra do Marco Civil da Internet
Marcelo Camargo/Agência Brasil

O ministro Dias Toffoli, relator de uma das ações que pretende rever o artigo 19 do Marco Civil da Internet (MCI), disse nesta quinta-feira (28), que a lei precisa ser atualizada. Ele iniciou seu voto sobre o tema com críticas à regra que isenta de responsabilidade as redes sociais pelo conteúdo produzido por seus usuários. O texto diz que elas só podem ser punidas por algum material danoso publicado caso descumpram uma ordem judicial que determine sua remoção.

Segundo o artigo 19 do MCI, as plataformas só podem ser responsabilizadas civilmente por danos causados pelo conteúdo gerado por terceiros “se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente”.

“Vejam a burocracia, mesmo com a ordem judicial para remover. E a responsabilidade só surge depois disso tudo”, afirmou Toffoli no julgamento. O ministro ainda não terminou de ler o voto, o que deve ocorrer na próxima quarta-feira (4), na retomada do julgamento. Depois dele, irá votar Luiz Fux, relator da outra ação sobre o tema, e então os demais 9 ministros.

Em seu voto, Toffoli reconheceu a importância do Marco Civil da Internet, mas ressaltou que ele precisa ser atualizado.

“O MCI representa ainda hoje uma grande conquista democrática na sociedade brasileira. Entretanto, decorridos mais de 10 anos de sua existência, e tendo em vista todas as transformações sociais, culturais, econômicas e políticas provocadas pelas tecnologias disruptivas internet-dependentes, e pelos novos modelos de negócios desenvolvidos e implementados a partir delas, bem como seus impactos negativos sobre a vida das pessoas, e o futuro dos estados democráticos, não se pode mais ignorar a necessidade de sua atualização, especialmente no que concerne ao regime de responsabilidade dos provedores de aplicação”, disse o ministro.

“Tal necessidade fica mais evidente quando se tem em conta os riscos sistêmicos ao próprio direito à liberdade de expressão, aos direitos fundamentais da igualdade e da preservação da dignidade da pessoa humana, ao princípio democrático, e ao estado de direito, e à segurança e ordem pública, criados ou potencializados a partir da popularização de algumas dessas tecnologias internet-dependentes, e sobretudo da automação e algoritmização dos ambientes digitais”, completou em seguida.

Desde o ano passado, o STF pressiona o Congresso por uma nova legislação, mas o projeto de lei mais desenvolvido sobre o tema (PL 2630/2020) nunca alcançou votos suficientes para ser aprovado – a maior parte dos deputados considera que o texto estimula as redes a censurar usuários, por medo de punições.

A proposta impõe a elas um “dever de cuidado”, conjunto de providências para coibir a disseminação de discursos violentos e criminosos. As plataformas resistem por considerarem que uma grande quantidade de postagens tem teor subjetivo, e haveria grande chance de que removessem conteúdo crítico e controverso, porém lícito e legítimo, de forma excessiva por cautela e temor de punições.  

No início do julgamento, nesta quarta, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, afirmou que pautou o tema por causa da não aprovação, pelo Legislativo, de uma nova lei.

A maior parte dessas duas sessões iniciais de julgamento foi dedicada à manifestação das partes envolvidas e de entidades interessadas ou afetadas. O STF tem três alternativas: declarar a constitucionalidade do artigo 19 do MCI; derrubar a regra por inconstitucionalidade; ou decidir por uma “interpretação conforme a Constituição” – no caso, determinar um modo de aplicar a regra de forma mais abrangente.

A hipótese menos provável é a da manutenção da regra. Nesse caso, o cenário permanece o mesmo: as redes só podem ser punidas a pagar indenização a alguém ofendido ou lesado por uma postagem de um outro usuário se descumprirem uma ordem judicial de remoção.

Em caso de inconstitucionalidade da regra, a tendência é que as redes passem a remover algum conteúdo a pedido da parte afetada. Bastará que ela notifique a plataforma sobre algum material que considere danoso para que, a partir desse momento, a rede também se torne responsável por ele. Assim, se aquele conteúdo permanecer no ar e posteriormente a Justiça considera-lo lesivo, a plataforma seria obrigada a indenizar a pessoa lesada.

Se a decisão for pela interpretação conforme a Constituição, o mais provável é que o STF abra novas exceções à regra da responsabilização das redes. Hoje, pelo texto do Marco Civil da Internet, elas já podem ser responsabilizadas, sem necessidade de ordem judicial de remoção, caso disponibilizem conteúdo pornográfico não autorizado ou que viole direitos autorais.

Há propostas para que, além desses casos, também se responsabilizem por conteúdo que envolva racismo e discriminação, terrorismo, incentivo ao suicídio, pornografia e abuso infantil, e também incitação a crimes contra o Estado Democrático de Direito. O receio é da inclusão de categorias mais abertas e sem definição legal, como “desinformação” e “discurso de ódio”.

A pressão pela remoção desses conteúdos subiu nos últimos anos, principalmente por iniciativa do STF, a partir do momento em que os ministros e suas decisões passaram a ser criticadas de forma dura e massiva nas redes sociais. Inicialmente por causa do desmonte da Lava Jato e depois pela oposição da Corte ao governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.

As manifestações de rua contra Corte, ocorridas por incentivo de Bolsonaro desde 2020, fermentaram a pressão dos ministros por uma atualização do Marco Civil da Internet. Para eles, boa parte das críticas eram alimentadas nas redes sociais, com mentiras, distorções e ameaças.

Na sessão desta quinta, Alexandre de Moraes, que passou a fiscalizar as redes de forma rigorosa dentro de inquéritos que conduz no STF contra “fake news” e “atos antidemocráticos”, disse que elas falharam no 8 de janeiro de 2023, por não retirarem, por iniciativa própria, convocações para a manifestação que resultou na invasão e destruição dos prédios do STF, Congresso e Palácio do Planalto.

“O dia 8 de janeiro demonstrou a total falência do sistema de autorregulação de todas as redes. É faticamente impossível defender, após o 8 de janeiro, que o sistema de autorregulação funciona. Falência total e absoluta instrumentalização e, lamentavelmente, em parte conivência. Falência porque tudo foi organizado pelas redes. No dia, com a praça dos Três Poderes invadida, as pessoas fazendo vídeo, postando nas redes, chamando mais gente para destruir, e as redes sociais não retiraram nada. Porque like em cima de like, sistema de negócio, monetização”, disse o ministro.



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