Conversas entre Marco Antônio Vargas, juiz auxiliar do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes no Tribunal Superior Eleitoral, e integrantes da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação da Justiça Eleitoral, mostram o início dos atritos do magistrado com Elon Musk, dono do X (ex-Twitter). As mensagens mostram que Moraes ordenou a elaboração de relatórios e disse que aplicaria sanções à plataforma.
As conversas fazem parte das mensagens obtidas pela Folha de S.Paulo. Na noite de terça-feira (3), o jornal publicou mensagens de março de 2023, que mostram o começo do embate entre Moraes e Musk, que culminou na ordem, da semana passada, para a suspensão do X no Brasil.
A troca das mensagens, via WhatsApp, se deu 5 meses depois das eleições presidenciais no Brasil. Os assuntos tratados não têm relação direta com temas que são da alçada do TSE.
Conforme as conversas, o então Twitter deixou de acatar pedidos feitos por Moraes depois das eleições. Na época, a rede social tinha acabado de ser comprada por Musk.
Vargas encaminhou ao grupo de WhatsApp formado por ele e pelos integrantes da AEED uma mensagem de Moraes que dizia: “Então vamos endurecer com eles. Prepare relatórios em relação a esses casos e mande para o inq [inquérito] das fake [news]. Vou mandar tirar sob pena de multa”.
Essa mensagem vinha acompanhada de um recado de Vargas: “Vamos caprichar no relatório para esse fim”.
A conversa foi em 17 de março de 2023. Na data, Vargas enviou ao grupo uma publicação sobre a soltura de pessoas presas pelos atos extremistas do 8 de Janeiro. Nela, uma mulher dizia que “o Mula, Xandão e esse governo usurpador” estavam sendo acusados pelo “Tribunal Internacional” de crimes contra a humanidade.
“Bom dia, preciso do contato do Twitter”, pediu Vargas aos demais integrantes do grupo do WhatsApp. Ele recebeu o telefone de Hugo Rodríguez, então representante da rede social para a América Latina.
Parte do grupo, uma pessoa chamada Frederico Alvim se prontificou a falar com a plataforma. “Você pode ver com ele para que façam uma análise de postagens dessa natureza?”, pediu Vargas.
“Sim. A ideia seria aumentar um pouquinho o escopo da parceria, para que questões como essa possam ser enviadas pelo sistema de alertas, obtendo tratamento?”, disse Alvim.
“Acho que reivindicar uma alteração formal da política seria muito demorado e dificultoso, porque dependeria da boa vontade do time global, agora subordinado ao Musk. Creio que a saída mais fácil seria pedir uma calibração da interpretação da política já existente”, afirmou.
Por não se tratar de período eleitoral, Alvim disse considerar que o melhor caminho seria “defender que, embora as eleições tenham terminado e o novo presidente empossado, esses ataques mantêm acesa a possibilidade de novas altercações”.
Alvim informou ter agendado para aquele dia uma reunião com Hugo Rodríguez, o representante da rede social na América Latina. Ele disse que iria “tentar” que a plataforma removesse o conteúdo em questão e “outros semelhantes” sempre que acionados.
“Vou ver o que consigo. Mas ele [Rodríguez] já adiantou que, com a entrada do Musk, a equipe dele deixou de tomar decisões de moderação. Essas decisões estão sendo tomadas por um colegiado, do qual eles não participam”, declarou Alvim.
Ele reportou ao grupo como havia sido a reunião. Disse que, segundo Rodríguez, as regras a serem seguidas seriam pela rede social fora do período eleitoral seriam as gerais.
“Com a entrada do Elon Musk, a moderação caminha cada vez mais para ter como base a proteção da segurança, mais do que a proteção da verdade”, declarou Alvim.
“Trocando em miúdos, uma mentira desassociada de um risco concreto tende a não receber uma moderação. A moderação só ocorre quando houver discurso violento, discurso de ódio e cogitação de alguma espécie mais palpável de dano (incitação de um ato de depredação ou coisa do tipo). Com o detalhe de que o ‘risco à democracia’, por não ser tangível, não entra nesse conceito”, afirmou.
Segundo ele, para derrubar ou bloquear publicações com ofensas a Moraes, seria necessária “atuação judicial”.
Essa explicação foi repassada por Vargas a Moraes. Foi então que o ministro do STF ordenou a produção de relatórios e disse que ia “mandar tirar” as publicações “sob pena de multa”.
Moraes e o STF não responderam aos contatos da Folha de S.Paulo.
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