O Plenário do Senado deve votar no próximo dia 12 de junho o projeto de lei (PL) 2.338/2023, que regulamenta o uso da inteligência artificial no Brasil. O anúncio foi feito pelo relator da matéria na Comissão Temporária sobre Inteligência Artificial (CTIA), senador Eduardo Gomes (PL-TO), durante uma audiência pública realizada nesta segunda-feira (3) no Conselho de Comunicação Social (CSC) do Congresso Nacional.
O senador Eduardo Gomes informou que apresentará uma nova versão do relatório na quarta-feira (5). Na segunda-feira seguinte (10), o Plenário promoverá uma sessão de debates sobre o PL 2.338/2023. De acordo com o relator, é essencial que os responsáveis pela disseminação de conteúdos gerados por meio de inteligência artificial passem por um “processo de validação”.
“Até por uma questão de combate às fake news e à desinformação, temos que passar por um processo de validação. É preciso que quem faça a divulgação do conteúdo tenha a capacidade de mostrar a origem e a identificação. O anonimato contribui para o ambiente aberto e livre das redes sociais, mas isso tem um limite. Em determinadas ferramentas, não vamos conseguir escapar de uma validação: quem for responsável por um conteúdo tem que se identificar para que se possa exercer seus direitos”, afirmou Gomes.
A audiência pública contou com a participação de especialistas, como Fernando José Garcia Moreira, coordenador do Grupo de Trabalho de Inteligência Artificial na Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão. Moreira defendeu mais transparência nos algoritmos utilizados por plataformas, para evitar que conteúdos gerados por inteligência artificial dissemine preconceito ou desinformação.
“Esses algoritmos têm, de alguma maneira, que ser transparentes. A empresa não precisa abrir sua tecnologia, mas alguns algoritmos, inclusive nas plataformas de comunicação social, devem poder ser verificados para que se garanta que não se tenha um viés, que o conteúdo não vá proteger ou afetar alguém de alguma forma”, destacou Moreira.
Direitos Autorais
Andreia Saad, representante da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), destacou a necessidade de considerar os direitos autorais na aplicação da inteligência artificial. Para ela, esse é um dos desafios enfrentados pela indústria do jornalismo.
“A gente sabe que essas tecnologias são treinadas a partir de grandes bases de dados. Em regra, essas bases contêm obras jornalísticas protegidas por direitos autorais. São imagens, matérias, notícias, textos. Essa tecnologia é treinada com esses materiais sem nenhum tipo de autorização e sem nenhum tipo de remuneração. Isso é uma violação de direitos autorais que precisa ser olhada com cuidado”, ressaltou Saad.
Riscos e Impactos
Artur Lara Romeu, diretor do escritório da Repórteres Sem Fronteiras na América Latina, alertou para os riscos associados ao uso da inteligência artificial no jornalismo. Ele citou dados de uma pesquisa com 2,7 mil especialistas, que apontaram a desinformação e a manipulação da opinião pública como os principais cenários negativos para os próximos 30 anos.
“A desinformação, alavancada pela produção de deep fakes, e a manipulação em larga escala da opinião pública foram os dois cenários mais destacados. Mais de 50% dos entrevistados identificaram que há motivos de extrema preocupação relacionada ao cenário crescente da desinformação impulsionada pela inteligência artificial no mundo. Os sistemas de recomendação priorizam as receitas de publicidade e o envolvimento do usuário, em detrimento da qualidade, ampliando um conteúdo polarizado, prejudicial e sensacionalista”, afirmou Romeu.
Conselheiros e Regulação
O conselheiro Davi Emerich, representante da sociedade civil no CSC, defendeu o envolvimento dos movimentos sociais no processo de regulação da inteligência artificial. Para ele, o jornalismo tem um papel crucial no combate às fake news.
“Tem que ter mecanismos de rastreabilidade. Se não conseguirmos implantar nas leis e se os movimentos sociais não conseguirem parir uma rastreabilidade profunda, dificilmente vamos dar conta de enfrentar essa nova realidade. O jornalismo é uma das coisas que sobrou do ponto de vista do conhecimento para combater as informações falsas. É a principal ferramenta que a modernidade ainda tem hoje para fazer o combate aos efeitos nefastos que a tecnologia traz”, disse Emerich.
Para a conselheira Maria José Braga, representante da categoria profissional dos jornalistas, há uma “necessidade urgente, urgentíssima de regulação”.
“Sem regulação, o que vemos é esse mundo do vale-tudo das redes sociais e plataformas, de disseminação de conteúdos absolutamente nocivos à democracia, à criança, ao adolescente, ao ser humano como um todo. Precisamos de regulação. Devemos estabelecer obrigações claras, responsabilização e punição. Não podemos apostar na boa vontade dessas megacorporações transnacionais. Até agora, elas não demonstraram nenhuma boa vontade”, afirmou Braga.
O conselheiro José Antônio de Jesus da Silva, representante da categoria profissional dos radialistas, demonstrou preocupação com o impacto da inteligência artificial sobre o mercado de trabalho.
“Cada vez que vem uma nova transformação, os trabalhadores pagam a conta. Uma conta altíssima. Cada tecnologia que chega, a gente perde o emprego. É inacreditável. E a gente não vê a preocupação do Parlamento em reagir a isso. O impacto é gigantesco e com a inteligência artificial não será diferente”, concluiu Silva.
A votação do PL 2.338/2023 no Senado representa um passo importante na busca por uma regulamentação eficaz e equilibrada do uso da inteligência artificial no Brasil, visando a proteção dos direitos dos cidadãos e a integridade da informação.
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