Mensagens reveladas entre o ex-coordenador da operação Lava Jato no Paraná Deltan Dallagnol e procuradores do Ministério Público Federal sugerem que houve uma tentativa de direcionar trechos do acordo de leniência do grupo empresarial J&F, firmado em 2017, para que a ONG Transparência Internacional recebesse valores provenientes do trato sem ter que “passar” pela auditoria do TCU.
Trecho de documento, cujo sigilo foi retirado na terça-feira (6) pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli, mostra que, em mensagens de 29 de novembro de 2018, foi discutido como direcionar o dinheiro do acordo de leniência resultante da Lava Jato –o que não aconteceu, a Transparência Internacional não recebeu nenhuma quantia.
A ONG é alvo de investigação que apura suposto ganho com os acordos de leniência firmados à época da operação. A Transparência Internacional chamou de “ilação” a suspeita de que teria trabalhado para receber recursos com tais acordos.
o que é acordo de leniência – é um mecanismo em que empresas que cometeram atos danosos à administração pública colaboram com as apurações e se comprometem a pagar os valores estipulados no contrato, ressarcindo os montantes acordados aos cofres públicos. Além disso, as organizações devem estabelecer internamente programas de aperfeiçoamento de integridade.
Em uma das mensagens, os procuradores falam sobre uma reunião com integrantes da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e da Transparência Internacional. O encontro teria se dado para tratar dos R$ 2,3 bilhões referentes ao acordo de leniência firmado com a J&F. Os procuradores discutiam uma forma de “evitar passar pelo TCU”, em referência aos valores obtidos.
No processo, não é identificado o responsável pela mensagem que menciona o Tribunal de Contas da União. O processo cita o então presidente da Transparência Internacional, Bruno Brandão, e Michael Mohallem, professor da FGV e prestador de serviço da ONG.
Leia a íntegra da resposta da Transparência Internacional:
“O processo cujo sigilo foi derrubado ontem inclui, apenas, o conteúdo de quem acusa a Transparência Internacional (TI). Não há qualquer peça de defesa ou manifestação da TI nos autos, pois a organização nunca foi ouvida antes de ser feita essa divulgação. Além disso, há omissões graves, como o relatório final do trabalho realizado pela Transparência Internacional com recomendações de transparência, boas práticas de governança e rigorosos controles à destinação dos chamados ‘recursos compensatórios’ em casos de corrupção. Mais importante, a decisão do min. Toffoli faz referência a um ofício do ex-PGR Augusto Aras, com graves ilações e informações inverídicas sobre destinação de recursos à TI, mas omite a resposta ao ofício, com detalhado parecer da subprocuradora-geral Samantha Dobrowolski, então coordenadora da Comissão Permanente de Assessoramento para Acordos de Leniência e Colaboração Premiada, desmentindo as informações do ex-PGR e atestando que a TI jamais recebeu ou receberia qualquer recurso ou teria qualquer papel gestor ou decisório sobre a aplicação de tais fundos.
“É absurda a ilação de que a Transparência Internacional estivesse trabalhando para receber recursos de acordos de leniência e, ainda mais despropositada, a insinuação de que buscasse evitar controles. Ao contrário disso, a TI recusou inúmeras ofertas de financiamento de empresas que fecharam acordos (nossos relatórios financeiros auditados estão publicados na íntegra) e trabalhou, no âmbito de um Memorando de Entendimento público que vedava explicitamente qualquer repasse à organização, na produção de um relatório (também público) com recomendações de transparência, boas práticas de governança e rigorosos mecanismos de controle para a destinação desses recursos. Esse amplo aparato de controles foi recomendado pela TI para blindar o acesso indevido ou privilegiado de qualquer ente público ou privado a tais fundos, inclusive a própria Transparência Internacional.
“Portanto, tais interações com o Ministério Público sobre o assunto – e todas as outras diversas autoridades com quem a Transparência Internacional discutiu essa questão – tiveram como objetivo garantir a destinação legítima, transparente e blindada de conflitos de interesses desses recursos, cujo propósito é a reparação dos imensos danos causados pela corrupção.”
MENSAGENS
As mensagens constam em uma petição apresentada pelo deputado federal Rui Falcão (PT-SP). Segundo o documento, as conversas “confirmam a atuação conjunta de procuradores da Força Tarefa do MPF (Ministério Público Federal) e integrantes da TI (Transparência Internacional) visando à administração e monitoramento de recursos bilionários oriundos de acordos de leniência”.
O material mostra ainda troca de mensagens em 2015 de Dallagnol com procuradores do MPF. “Precisamos de alguém que se disponha a estudar e bolar um destino desses valores que agradaria a todos, como um fundo, entidades contra a corrupção, o sistema de saúde público, fundo de direitos difusos, fundo penitenciário; órgãos públicos que combatem a corrupção, a Transparência Internacional Brasil ou contas abertas, etc.”, disse o então coordenador da operação Lava Jato sobre os valores obtidos em acordos de leniência.
O documento também apresenta uma troca de mensagens entre Dallagnol e o então presidente da Transparência Internacional, Bruno Brandão. O conteúdo mostra que integrantes da FGV e da Transparência Internacional teriam elaborado um “estudo” –em referência ao levantamento feito pela ONG com princípios e diretrizes para melhores práticas de transparência e governança para a “destinação de ‘recursos compensatórios’”.
“Dar visibilidade é importante. Não deixar o dinheiro se diluir. Carimbar […]. Por enquanto pedem para não ser compartilhada com a Petrobras. TI tem receio de ficar de fora da possibilidade de receber recursos”, diz uma das mensagens, em um indicativo de que a ONG supostamente aceitaria recursos provenientes de acordos de leniência.
O material que está na ação de Rui Falcão foi coletado pela operação Spoofing, da PF (Polícia Federal), que investigou ataques de hackers a celulares do ex-juiz e atual senador Sergio Moro e de ex-procuradores da Lava Jato.
Além disso, a petição também cita reportagem da Agência Pública. O texto informa que a Transparência Internacional teve acesso à minuta de um contrato que tratava da fundação que administraria a verba de acordo com a Petrobras antes mesmo do contrato ser assinado.
A reportagem mostra que Bruno Brandão fez sugestões para o acordo em um grupo formado por ele, Dallagnol e Michael Mohallem, professor da FGV.
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