O primeiro ano do terceiro mandato de Lula (PT) à frente da Presidência manteve o padrão de gasto militar e o nível de investimento nas Forças Armadas deixados por seu antecessor e rival Jair Bolsonaro (PL), que governou de 2019 a 2022.
Isso configura uma vitória política do ministro José Múcio Monteiro (Defesa), que passou o ano passado driblando iniciativas do entorno de Lula para retirar poder dos militares, acentuadas devido à associação de parte dos fardados ao bolsonarismo e à suspeita de leniência no 8 de janeiro.
Múcio buscou aproximá-lo dos comandantes das Forças e, desde a virada do ano, o presidente tem feito gestos de apreço aos militares —inclusive evitando cortar emendas parlamentares para o setor. Daqui para a frente, o cenário fiscal é mais incerto.
Segundo dados do Siga Brasil, sistema do Senado que monitora quanto o governo gasta de forma precisa, por acompanhar a execução orçamentária programa a programa, incluindo dispêndios novos e restos a pagar, os militares investiram R$ 8,13 bilhões em 2023.
Isso representa apenas 6,8% do desembolso total, um problema crônico do setor, que gastou 79,8% dos R$ 119 bilhões com pessoal ativo e inativo e busca sem sucesso saídas para o cenário. O restante foi despendido com custeio, o cotidiano da administração das organizações militares.
Em 2021 e 2022, a proporção foi a mesma em valores já corrigidos pela inflação. Isso equivale a cerca de 1,1% do PIB (Produto Interno Bruto) do país, abaixo dos 2% preconizados pela Otan (aliança militar liderada pelos EUA), o padrão-ouro da área no mundo e defendido como meta pela Defesa desde os anos 2000. Em 2020, o investimento foi algo maior, R$ 9,9 bilhões.
Questionado, Múcio não comentou o contexto político. Em nota, sua assessoria disse que “os projetos estratégicos têm sido mantidos e que o direcionamento dos esforços é nesse sentido”. Mas afirmou que “as regras fiscais dos últimos anos trazem limitações para o incremento desse tipo de gastos, o que torna um grande desafio o cumprimento de cronogramas”.
Com o patamar atual, o país volta ao nível em valores corrigidos de investimento militar de 2008, antes da entrada em vigor dos grandes negócios de defesa patrocinados por Lula em seu segundo mandato, como o acordo Brasil-França para fabricar submarinos e helicópteros.
Eles floresceram no governo de Dilma Rousseff (PT, 2011-16), que também assinou em 2014 o programa de maior gasto ao longo dos anos da Defesa, a aquisição de 36 caças suecos Saab Gripen E/F.
Os anos Dilma, ironicamente uma presidente desprezada pelos fardados devido a seu apoio à apuração sobre os mortos pela ditadura de 1964, foram os mais fartos de forma contínua para as Forças. Em 2014, os investimentos chegaram a seu pico, R$ 17,48 bilhões em valores atuais.
Mas foi seu sucessor, Michel Temer (MDB), que governou após o impeachment da petista em 2016, que gestou a manobra permitindo ao capitão reformado do Exército propagandear que tratava os militares de forma diferenciada.
Temer permitiu a capitalização da Emgepron, empresa de projetos navais próxima da Marinha mas que, como estatal, tem seus gastos registrados fora do antigo teto de gastos. Em 2018 e 2019, ela recebeu uma injeção de R$ 13,2 bilhões, em valores atuais, para focar no projeto de construção das corvetas Tamandaré, classe depois elevada para de fragatas leves.
O grosso veio em 2019, quando R$ 9,6 bilhões entraram no cofre da Emgepron. Isso criou uma distorção, levando os 7,6% destinados a investimentos serem acrescidos de 6,9% do orçamento total para a operação, chamada inversão financeira.
Com isso, o gasto militar geral daquele chegou a R$ 140 bilhões. Só que foi um evento único, que o Tesouro teve de registrar, e no ano seguinte o investimento caiu à metade.
A partir daí, há uma espécie de orçamento de defesa paralelo só para os projetos da Emgepron, que ficou fora dos limites derrubados por iniciativa de Lula no ano passado. Ato contínuo, a estatal começou a bancar a fabricação no país de quatro fragatas compradas da alemã TKMS, que associou-se à brasileira Embraer.
O resultado foi um gasto que superou o de qualquer outro programa militar brasileiro: R$ 1,2 bilhão em 2021, R$ 2,4 bilhões em 2022 e, até 16 de novembro de 2023, R$ 1,7 bilhão —o número pode mudar bastante ainda. Segundo a Marinha, a previsão de entrega do primeiro navio, 2025, está mantida.
No ano passado, o programa da Defesa que mais gastou recursos foi o do Gripen: R$ 1,2 bilhão. De 2019 para cá, ele recebeu R$ 7,7 bilhões, sempre em valores corrigidos. Já há seis aeronaves operacionais com a FAB (Força Aérea Brasileira), além da unidade usada na campanha de testes.
Com R$ 1,1 bilhão, o programa de submarinos de propulsão convencional ficou em segundo lugar no ano passado, sempre frequentando o top 5 do ranking desde 2019. O mais recente modelo, o segundo dos quatro previstos, foi entregue para patrulhas da Marinha há duas semanas.
O projeto dos submarinos tem outras duas pernas, uma de instalações físicas (R$ 372 milhões gastos em 2023) e outra, da lenta e difícil construção de um modelo de propulsão nuclear (R$ 317 milhões). Como a Folha mostrou, há óbices técnicos e políticos que dificultam a previsão de ver a embarcação no mar em 2033.
Sob Lula, ganhou fôlego uma ação que sempre estava entre as dez mais dispendiosas, a infraestrutura para as 442 cidades na área do programa Calha Norte, que abrange dez estados, do Acre a Mato Grosso do Sul. Ela ficou em terceiro lugar, com R$ 671 milhões.
A seguir vem o controle de tráfego aéreo, a cargo da FAB, com R$ 530 milhões, outra figura carimbada do top 5. Depois, outro projeto aeronáutico, o da aquisição de 19 aviões de transporte Embraer KC-390. Aqui há uma particularidade. O programa recebeu R$ 458 milhões, mas sua rubrica de desenvolvimento pagou à parte R$ 260 milhões, o que o colocaria no terceiro posto de gastos.
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