Transparência Internacional vê ‘perigo sistêmico’ com cassação de Dallagnol

Para ONG de combate à corrupção, procedimento e fundamentação da Corte foram 'atípicos'
Por: Brado Jornal 18.mai.2023 às 10h55
Transparência Internacional vê ‘perigo sistêmico’ com cassação de Dallagnol

A Transparência Internacional Brasil, ONG que atua no combate à corrupção, criticou a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de cassar o mandato de deputado federal de Deltan Dallagnol (Podemos-PR) na terça-feira 16 e fala em “perigo sistêmico” gerado pelo procedimento “atípico” da Corte. Por unanimidade, os ministros fizeram uma interpretação extensiva da Lei das Inelegibilidades (Lei Complementar 64/1990), também chamada de Lei da Ficha Limpa.

Baseado no voto do relator, Benedito Gonçalves, eles cassaram o registro de candidatura de Dallagnol com base em uma hipótese não existente na lei. Na interpretação dada à lei, os ministros do TSE entenderam que o ex-procurador se exonerou para fugir de eventual e incerta punição de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD), que talvez fosse aberto.

Ficou demonstrado, inclusive com certidão do Conselho Nacional do Ministério Púbico (CNMP), que Dallagnol não respondia a nenhum PAD quando pediu a exoneração do cargo de procurador, em 2021, um ano antes das eleições. E a única hipótese legal de ser inelegível, segundo a lei, seria que a exoneração ocorresse na “pendência de processo administrativo disciplinar”.

“A atipicidade da dinâmica processual e da fundamentação empregadas desgastam o instrumento da Lei da Ficha Limpa, agravam a insegurança jurídica e fragilizam a representação democrática no país”, escreveu a Transparência Internacional em uma série de posts no Twitter.

Até então, o TSE mantinha o entendimento de que as hipóteses de inelegibilidade tinham de ser interpretadas de maneira restritiva, ou seja, conforme o sentido literal e objetivo da lei. Mas, no caso de Dallagnol, foi criada, por interpretação judicial, uma causa de cassação de registro de candidatura não prevista em lei.

A entidade ressalta que “ampliar hipótese de inelegibilidade, prescindindo do requisito literal e objetivo da lei sobre existência de procedimento administrativo disciplinar (PAD), ameaça direitos políticos fundamentais, resguardados pela Constituição e tratados internacionais”.

Por isso, “este precedente acarreta perigo sistêmico”, avaliou a Transparência, já que “a interpretação extensiva do TSE poderá logo ser aplicada a outros casos por juízes eleitorais em todo o Brasil, inclusive para outras hipóteses de inelegibilidade previstas na Lei da Ficha Limpa”.

A entidade lembra que a decisão unânime do TSE contrariou a decisão unânime do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) e parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, que se fundamentam justamente nos precedentes anteriores do TSE de que a interpretação para causas inelegibilidade devem se restringir ao que está objetivamente escrito na lei. “A unanimidade [do TSE], nesse caso, não é sinônimo de ausência de controvérsia jurídica sobre o caso”, escreveu a ONG.

Todos os ministros presentes na sessão do TSE — Alexandre de Moraes, presidente da Corte, Cármen Lúcia, Nunes Marques, Raul Araújo, Sérgio Banhos e Carlos Horbach — acompanharam o voto do relator Benedito Gonçalves.

A ONG acentuou o fato de que a decisão atípica foi dada a um ex-procurador, que atuou contra “interesses poderosos” — Dallagnol chefiou a força-tarefa da Lava Jato, que investigou um dos maiores esquemas de corrupção da história. Isso pode gerar um efeito desestimulador (chilling effect) para que outros agentes da lei exerçam seu trabalho contra a corrupção. “Por se tratar de agente público que atuou em casos de macrocorrupção envolvendo indivíduos do mais alto poder, a atipicidade da decisão também amplia a insegurança jurídica e o chamado ‘chilling effect’ a agentes da lei atuando contra interesses poderosos”, destacou a Transparência.

A ação julgada procedente pelo TSE contra Dallagnol foi proposta por coligação encabeçada pelo PT, partido que foi um dos principais alvos da Lava Jato.

Por isso, conclui a ONG, “a revogação de mandato de membro do Congresso Nacional produz impacto adicional sobre a confiança da sociedade no processo eleitoral”. “Em um contexto de impunidade sistêmica da corrupção política, esta desconfiança se amplia sobre a Justiça — já seriamente atacada”.



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