"Senna encontra a morte numa curva de Ímola". Assim noticiou o Estadão a morte de Ayrton Senna da Silva há 29 anos. Foi também num 1º de maio que o Brasil e mundo choraram a morte do piloto. Aos 34 anos de idade, o tricampeão mundial de Fórmula 1 se acidentou na curva Tamburello, no circuito de Ímola, na Itália, perdendo o controle do carro e batendo de forma violenta contra o muro de proteção. Senna foi levado às pressas para o hospital, de helicóptero, mas não resistiu aos ferimentos.
O fim de semana do dia 1º de maio de 1994 ficou conhecido como um dos mais trágicos da categoria. Na sexta-feira, durante os treinos livres, Rubens Barrichello se acidentou gravemente. Além de Senna, o piloto austríaco Roland Ratzenberger também perdeu a vida durante a etapa de San Marino, em um acidente sofrido durante a classificação no sábado. Michael Schumacher foi o vencedor da corrida, mas o clima no pódio era fúnebre.
O legado do piloto brasileiro, no entanto, está mais vivo do que nunca. Ídolo máximo do heptacampeão Lewis Hamilton, Senna acaba de ser declarado patrono do esporte brasileiro. O projeto foi aprovado pelo Senado em março e publicado no Diário Oficial da União em edição ordinária no dia 26 de abril deste ano. O tricampeão agora tem o mesmo título de Tiradentes, Aleijadinho, Machado de Assis, Santos Dummont e Oscar Niemeyer, entre outros.
Considerado por muitos como o maior piloto de todos os tempos, os feitos de Senna na pista ainda ecoam pelo Brasil e pelo mundo. Seja em sua disputa com o francês Alain Prost, tida como a maior rivalidade da história da Fórmula 1, nas ações do instituto que leva seu nome ou na futura série da Netflix que contará sua história, o Estadão elencou cinco maneiras em que o legado do piloto brasileiro ainda reverbera ao redor do globo.
Rivalidade com Prost
Poucas duplas foram tão dominantes na história da Fórmula 1 como Ayrton Senna e Alain Prost. Ao mesmo tempo, poucas duplas foram tão explosivas e tóxicas na história da Fórmula 1 como Ayrton Senna e Alain Prost. Considerada por muitos como a maior rivalidade da história da categoria, a parceria do brasileiro e do francês na McLaren durou somente dois anos, mas rendeu um título para cada um, inúmeras polêmicas e muita briga.
O auge da disputa ocorreu em 1989, no GP de Suzuka, no Japão. Precisando ganhar para se manter vivo no campeonato, Senna largou na pole, mas acabou perdendo a posição para Prost. Arrojado, o brasileiro fez uma manobra arriscada na volta 47, mas foi tocado pelo francês e viu seu carro sair da pista. Caso o brasileiro não terminasse a corrida, Prost seria campeão.
Enquanto o francês saia do carro, Senna pedia ajuda dos fiscais para recolocar sua McLaren na pista. O brasileiro retornou para a corrida e a venceu de forma emocionante, mas foi desclassificado pela ajuda que recebeu após o acidente. Para a ira de Senna, Prost se sagrou campeão. Após o incidente, ficou evidente que não era possível os dois pilotos dividirem o mesmo teto e o francês se transferiu para a Ferrari no ano seguinte.
A relação entre os dois, no entanto, melhorou quando Prost se aposentou. No último pódio que dividiram juntos, Senna fez questão de abraçar o companheiro e elevá-lo ao lugar mais alto da cerimônia, dividindo o primeiro lugar com o ex-rival. Dois dias antes de sua morte, já em Ímola, Senna foi avisado de que o francês estava no box da William, equipe pela qual o brasileiro corria na época. Sem pestanejar, o piloto brasileiro afirmou pelo rádio: "Um alô especial para nosso querido amigo Alain. Todos nós sentimos sua falta, Alain".
Aumento de segurança nas pistas
Senna era um notório defensor da segurança dos pilotos e a sua morte revolucionou a categoria, que se viu obrigada a pensar e implementar dezenas de novas medidas de segurança após a perda do seu principal astro em atividade. Para o inglês Sid Watkins, então médico chefe da F-1 e amigo pessoal de Senna, a morte do brasileiro foi essencial para a segurança de pilotos ao redor do mundo. "A perda de Ayrton Senna já salvou muitas vidas, não apenas na F-1, mas no automobilismo", afirmou o neurocirurgião no começo dos anos 2000.
Em entrevista ao Estadão no ano passado, o piloto brasileiro Felipe Massa destacou a importância das mudanças que foram feitas após o 1º de maio de 1994. "Aquele fim de semana foi o mais importante para a segurança da Fórmula 1?, explicou Massa. "Dali para a frente, foi feito todo um trabalho para melhorar a segurança e as pistas. O pensamento e a mentalidade mudaram completamente. Um fim de semana tão feio e triste como aquele acabou salvando muitas vidas dali para a frente, até hoje".
O impacto daqueles acidentes em Ímola pode ser medido pelos números. Na década de 70, a F-1 registrou nove mortes. Nos anos 80, esse número caiu para quatro. Os óbitos de Senna e Ratzenberger foram os únicos ao longo da década de 90. E, depois daquele fatídico GP de San Marino, a categoria sofreu apenas uma baixa, 21 anos depois, com a morte do francês Jules Bianchi.
Instituto Ayrton Senna
Conhecido por seu ativismo social, Senna considerava de extrema importância a luta pela educação e por melhores condições aos mais vulneráveis. À sua irmã, Viviane Senna, o piloto confessou a vontade de criar uma ação sistemática que pudesse oferecer oportunidades para jovens de baixa renda. Senna morreu antes de ter o seu sonho concretizado, mas sua família levou o seu desejo para frente e fundou o Instituto Ayrton Senna ainda em 1994.
A ONG é presidida por Viviane e em 2004 foi reconhecida como uma Cátedra de Educação e Desenvolvimento Humano pela UNESCO, algo inédito para uma ONG até então. O Instituto atua em três frentes: pesquisa e produção de conhecimento, desenho de componentes para políticas educacionais e formação de educadores Em entrevista ao Estadão em 2018, a irmã de Senna relembrou a preocupação social do piloto.
"O Ayrton nunca se conformou com a realidade de falta de oportunidades que assola a maior parte do povo brasileiro, e sempre desejou fazer algo efetivo e eficaz para mudar essa realidade. Desse sonho nasceu o Instituto Ayrton Senna, que certamente é o maior legado do Ayrton fora das pistas. Afinal, como ele mesmo dizia, não podemos nos conformar de viver em uma ilha isolada sem olhar o mundo que está ao nosso redor. Além disso, é incrível ver o legado de valores que ele deixou. Ayrton nunca ganhou com o famoso ‘jeitinho brasileiro’, pois sabia que, para ser vitorioso de verdade, era necessário perseverança, foco, coragem, determinação e muito trabalho. Foi assim que ele se tornou um dos maiores ídolos da nossa história".
Idolatria de Hamilton
Detentor dos principais recordes da categoria, o piloto Lewis Hamilton é fã confesso de Ayrton Senna. Seja em suas aparições públicas ou em suas redes sociais, o britânico sempre faz questão de exaltar o brasileiro, classificando-o como seu ídolo no esporte e uma de suas grandes inspirações na vida.
A conexão com Senna, e com o Brasil por consequência, rendeu até mesmo um título de cidadão honorário brasileiro para o heptacampeão mundial. Na sessão solene em que foi titulado pela Câmara dos Deputados, o novo brasileiro agradeceu o carinho do Brasil e mencionou seu ídolo durante seu discurso. "Gostaria de dedicar essa honraria ao meu herói Ayrton Senna", afirmou.
"O Hamilton tem sido sensacional desde o início da carreira dele Ele sempre demonstrou um respeito e um carinho enorme pela nossa família e pelo próprio Ayrton. Ele aceitou muitos pedidos e convites que fizemos nos últimos anos e se tornou um embaixador da memória do Ayrton", disse Lalalli Senna, sobrinha do brasileiro, em entrevista ao Estadão no ano passado.
A relação entre a família Senna e Hamilton vem se estreitando a cada ano. O heptacampeão mundial viveu um dos momentos mais emocionantes de sua carreira em 2017 ao receber de presente uma réplica do emblemático capacete de Senna, na cor amarela. Em 2022, Hamilton visitou a Escola Estadual Lasar Segall, que conta com o apoio do Instituto Ayrton Senna, e conversou com estudantes na presença de Viviane Senna.
"Ayrton era o piloto que eu queria ser", disse Hamilton em um evento de varejo, negócios e inovação digital realizado no ano passado. "Eu jogava futebol, via a seleção brasileira. Mas quando voltava da escola, gostava de ver o Ayrton. Fazia isso todo dia", relembrou. "Quando Ayrton morreu, eu estava correndo. Meu pai nunca me deixava chorar. Então tive de me afastar por alguns instantes", revelou.
Minissérie da Netflix
A vida de Ayrton Senna já foi retratada nas telonas com o documentário "Senna: O Brasileiro, O Herói, O Campeão" (2010), mas uma versão ficcionalizada da trajetória do piloto chegará à Netflix em uma minissérie de seis episódios. Protagonizada pelo ator Gabriel Leone, a produção vai mostrar, segundo o serviço de streaming, "a trajetória de superação, desencontros, alegrias e tristezas do tricampeão de Fórmula 1, desbravando sua personalidade e suas relações pessoais".
"É uma honra poder interpretar um dos maiores ídolos nacionais, não só do esporte, mas um ícone que inspirou o nosso povo e os amantes de velocidade do mundo todo", disse Leone em comunicado da Netflix. Com direção de Vicente Amorim e Julia Rezende, a produção é comandada pelo cineasta brasileiro Vicente Amorim e contará com a participação da família do piloto.
"Ele tem muito potencial para transmitir com fidelidade a personalidade única do Ayrton, principalmente daquele que a gente como família conheceu, fora das pistas", comentou, no comunicado, Viviane Senna. O ponto de partida será o começo da carreira automobilística do Ayrton, quando ele se muda para a Inglaterra para competir na Fórmula Ford, até o trágico acidente em Ímola, na Itália, durante o Grande Prêmio de San Marino. A data de lançamento ainda não foi oficializada.
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