Mais de 20 anos após a promulgação da chamada Lei Antimanicomial (lei federal 10.216, de 2001), o governo se prepara para cumprir uma das exigências do texto: o veto à internação de pessoas com transtornos mentais em "instituições com características asilares". Assim, os 32 Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP) que existem hoje no Brasil serão fechados até maio do ano que vem. Nestas unidades, hoje estão presas 4.680 pessoas, a maioria em caráter provisório —1.818, ou 39% do total. O crime mais recorrente entre os presos é o roubo, seguido de homicídio e tráfico de drogas. Há também casos de baixa gravidade, como aborto, uso de moeda falsa e falsificação de documentos e selos, além de 126 internados sem informação de tipificação penal.
Em fevereiro, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) baixou a resolução 487, que determinou o fechamento gradual dos hospitais de custódia, e o uso do tratamento ambulatorial em serviços comunitários e na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), do SUS. Agora, uma junta médica, formada pelo Ministério da Saúde e o CNJ, terá a missão de avaliar todos os presos e decidir, em consonância com suas sentenças judiciais, quem poderá cumprir o tratamento nas ruas e quem precisará ser internado em outros equipamentos de saúde por mais tempo. A partir de agosto, novas internações serão proibidas nos HCTP, e até maio de 2024 as instituições precisam ser fechadas.
De acordo com dados da Secretaria nacional de Políticas Penais (Senappen), enviados a pedido do GLOBO, existem 803 pessoas nos HTCP que foram sentenciadas à prisão comum. Ou seja, é possível que tenham apresentado algum quadro psiquiátrico na prisão.
Medidas de segurança
Menos da metade —2050 pessoas — de todos os presos nos HCTP cumpre de fato as medidas de segurança, que são as sentenças para os inimputáveis, aqueles que a Justiça considera, após avaliação clínica, não serem condenáveis pelos moldes tradicionais da lei. São pessoas com alguma condição psiquiátrica que não teriam noção dos crimes cometidos durante o ato e, portanto, levadas aos hospitais de custódia para tratamento.
Nessas unidades, os inimputáveis não recebem uma pena fixa. Elas são avaliadas, em tese, anualmente, por uma equipe que decide se ela tem condição de ser ressocializada, até receberem alta. São observados o nível de periculosidade e a condição clínica do paciente. O problema, dizem especialistas no tema, é que muitos desses presos acabam ficando em hospitais de custódia por décadas e décadas, sem o tratamento adequado.
— Não existe prisão perpétua no Brasil, mas existe a prisão perpétua para os inimputáveis. Há pessoas há 30, 40, 50 anos internadas em manicômios — afirma Ana Paula Guljor, psiquiatra e presidente da Associação Brasileira Saúde Mental (Abrasme), além de ex-diretora do Caps no Rio e do hospital psiquiátrico de Jurujuba, em Niterói. — Os hospitais de custódia acabam sendo presídios adaptados, com a presença de funcionários de psicologia, assistência social. É uma nova roupagem para instituição manicomial.
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