A cidade de Amargosa, no centro-sul da Bahia, tem se tornado um polo controverso no Brasil, devido ao crescente mercado de abate de jumentos, impulsionado pela demanda internacional. O município, localizado a 119 km de Salvador, abriga o Frinordeste, o maior frigorífico de jumentos do país. Arrendado por empresários chineses e brasileiros, o frigorífico abate cerca de 1.200 jumentos semanalmente, com destino à China, onde suas peles são transformadas em ejiao, um produto medicinal da Medicina Tradicional Chinesa.
Embora a eficácia do ejiao não seja cientificamente comprovada, o produto é amplamente utilizado na China para tratar uma série de condições de saúde, como menstruação irregular, anemia e até impotência sexual. O mercado global de ejiao movimenta bilhões de dólares anualmente, com uma peça de couro de jumento chegando a ser vendida por até US$ 4 mil na China. No Brasil, os preços são bem mais baixos: jumentos podem ser comprados por apenas R$ 20 no sertão nordestino.
A exploração do mercado de jumentos tem gerado sérias preocupações. De acordo com o IBGE, o Brasil tinha cerca de 900 mil jumentos em 2013, mas hoje esse número caiu para cerca de 400 mil, de acordo com o Ministério da Agricultura. Entre 2010 e 2014, o país abateu 1.000 jumentos, mas entre 2015 e 2019 esse número saltou para 91,6 mil. Em Amargosa, cerca de 4.800 jumentos são abatidos todo mês.
No programa Brado Jornal desta sexta-feira (6), os apresentadores Timóteo Oliveira e Vanessa Moreira comentaram sobre a questão. Vanessa destacou a relevância do debate sobre a exploração de animais, afirmando: "Essa pauta ambiental é esquecida pela direita por ser rotulada como 'mimi', mas tem questões que precisam ser averiguadas. Temos, através de riquezas naturais como o jegue, que é um animal brasileiro, e acaba atraindo olhares de exploração. Não sou contra a comercialização de animais, mas a questão é as condições de como isso está acontecendo. A própria espécie corre risco de ser extinta."
Especialistas e defensores dos direitos dos animais alertam que o aumento do abate está colocando a espécie em risco de extinção no Nordeste, com a população de jumentos sendo dizimada mais rapidamente do que pode se reproduzir. Além disso, o mercado de jumentos tem sido associado a uma série de problemas, incluindo maus-tratos, contaminação por doenças como o mormo, e até denúncias de trabalho análogo à escravidão. A região, historicamente marcada por altos índices de pobreza e fome, também sofre com os impactos negativos desse mercado extrativista.
A expansão dessa indústria, que cresceu em resposta à crescente demanda internacional, enfrenta críticas não apenas pela exploração dos animais, mas também pelo impacto ambiental e social que acarreta, tornando-se uma questão de debate para autoridades e especialistas em todo o Brasil.
Dependência Econômica e Impactos Locais do Abate de Jumentos
Amargosa, uma cidade de aproximadamente 40 mil habitantes, é famosa pela sua tradicional festa de São João, mas também tem sido o epicentro de um mercado controverso. Desde 2017, o município lidera o abate de jumentos no Brasil, com os animais sendo enviados para a China, onde suas peles são utilizadas na produção de um remédio chamado ejiao. Localizada no Vale do Jiquiriçá, região marcada por paisagens deslumbrantes de caatinga e rochas imponentes, Amargosa tem visto a chegada de um frigorífico especializado neste tipo de abate, com fortes impactos econômicos e sociais.
A operação do abatedouro tem sido fundamental para a economia local. De acordo com o prefeito Júlio Pinheiro (PT), o setor é o terceiro maior empregador da cidade, superado apenas pela prefeitura e uma fábrica de calçados. Ele defende que a atividade tem sido crucial para garantir emprego e renda em um período de dificuldades econômicas, especialmente após os efeitos da pandemia. "O frigorífico tem sido a sustentação de centenas de famílias aqui na cidade", afirma Pinheiro, reforçando a importância econômica da indústria para o município.
Contudo, a operação do abatedouro tem gerado controvérsias e ações judiciais. Após denúncias de maus-tratos, o abate foi suspenso em 2018, mas tanto o governo estadual quanto o federal intervieram judicialmente para retomar a atividade. A decisão favorável veio do desembargador Kassio Nunes Marques, atual ministro do STF, que considerou que a suspensão da atividade causava danos irreparáveis à economia da região.
Apesar de o prefeito apoiar a decisão, ele admite que não conhece pessoalmente os empresários à frente do frigorífico, um grupo chinês que tem pouca presença local. A empresa, que é registrada sob o nome Frinordeste, é de propriedade de dois chineses e de um brasileiro. Relatos de funcionários indicam que o comando diário da operação fica a cargo do brasileiro, Alex Franco Bastos, já que os empresários chineses visitam o local esporadicamente.
O abatedouro recebe, em média, 400 jumentos por semana, transportados de diversas partes do Nordeste, muitas vezes em condições precárias. O calor, a longa distância e as péssimas condições de transporte resultam em muitos animais chegando ao frigorífico já machucados ou mortos. Embora os funcionários dependam do emprego para sobreviver em uma cidade com poucas alternativas de trabalho, muitos relatam dificuldades emocionais ao presenciar o abate massivo dos animais. "Para mim, é como matar um cachorro. A gente cresce com o jegue, e agora vê ele morrendo sem parar", afirma João, um funcionário, que também menciona a pressão de sustentar a família.
Os animais são recolhidos em diversas regiões do Nordeste, como em Paulo Afonso, onde agricultores de pequenas propriedades, muitas vezes em situação de extrema pobreza, caçam jumentos para vender. Em alguns casos, a caçada é uma necessidade desesperadora para alimentar as famílias.
A situação de maus-tratos se agrava quando consideramos que os animais são frequentemente transportados em condições inadequadas para locais de armazenamento temporário, como em fazendas no interior da Chapada Diamantina, onde são mantidos sem água e comida. Casos como o de 200 jumentos encontrados mortos ou debilitados em 2019, em uma fazenda em Canudos, são frequentes. Muitos desses animais estão em estado crítico, e a falta de recursos para tratá-los agrava a situação.
Além dos abusos relacionados ao tratamento dos jumentos, o comércio de animais também está envolvido em questões sanitárias. A propagação da doença zoonótica mormo, que pode afetar tanto os animais quanto os humanos, é uma preocupação crescente entre especialistas. Em 2019, a Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab) identificou focos de mormo em jumentos apreendidos e recomendou o sacrifício de animais infectados, alertando sobre os riscos à saúde pública. O governo da Bahia, por sua vez, isentou o abate de jumentos de exames obrigatórios de mormo, o que gerou críticas por parte de médicos veterinários e promotores públicos, que questionam a segurança do mercado.
A pressão sobre os jumentos não é uma questão isolada do Brasil. A crescente demanda chinesa por ejiao tem levado à diminuição drástica dos rebanhos de jumentos em países como o Quirguistão, e também tem impactado severamente a população de jumentos no Brasil. A longo prazo, especialistas alertam para a possibilidade de extinção local da espécie, com o impacto sobre o ecossistema e a cultura do sertão nordestino.
Apesar dos esforços das autoridades para regulamentar a atividade, a falta de um controle adequado e a competição exacerbada no mercado de jumentos tornam o futuro incerto para a espécie. Com poucos incentivos para a preservação do animal e a resistência cultural a consumir carne de jumento, o abate continua sendo uma atividade controversa, cujos impactos econômicos, sociais e ambientais permanecem intensamente debatidos.
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